Viagem no Tempo 1
A carta a seguir transcrita foi escrita pela neta Laura para a avó Zuleika em novembro/2012 (Laura com 24 anos, Zuleika com 82 anos).
“Estava pensando em você, hoje. Penso em você quase todos os dias. Sinto Saudade. Confesso que é medo de te perder, também.
Escrevi uma carta pra Felipe e pensei que, talvez, você gostasse de receber uma carta. Tenho uma vaga lembrança da senhora me contando que estava mandando e/ou recebendo cartas (acho que de/ e para Tia Lygia).
Sei que não foi a senhora que pegou na caixinha, nem a senhora que abriu, e isso torna esta carta bem menos especial ou emocionante . Mas mesmo assim é uma carta pra senhora e eu espero que goste.
Viver aqui na Europa está sendo bom; ainda não fiz muita coisa, mas tenho muitos planos de viagens.
Queria mesmo era poder voltar no Tempo, acordar bem cedinho e ir pra Praia das Conchas, caminhando com você. Quem sabe se, no caminho, a gente ia achar umas conchas pra fazer um colar e, lá no finalzinho, onde a água é mansa, a gente ia entrar e ficar boiando, só boiando. Não sei se suas amigas iam estar lá, talvez. Ou talvez elas estejam pelo caminho. De tardinha, a gente podia fazer uma nega- maluca, com aquele papel de Receitas que já está bem velho, meio rasgando, mas que (eu nunca entendi isso) é essencial.
Vó, obrigada por tudo isso. Por cada bolo delicioso; por nos ensinar a pular corda, até cruzando, de frente e de trás. Por cada colar de concha, que valiam mais do que um colar de diamantes. Eu não sabia disso, por isso não guardei nenhum. Obrigada por ter sido tão meiga e tão mansa. Por nunca reclamar da vida, ou falar mal de ninguém. Você é demais. Quero ser metade do que você foi.
Às vezes, eu queria conversar, perguntar sobre as coisas da vida. Pedir uns conselhos.
Isso me fez muita falta. Lembro que uma vez eu perguntei o que fazia um casamento durar tanto. Nunca vou me esquecer de sua resposta : “memória curta”. Estou refletindo nisso até hoje. Às vezes penso que é ruim pensar assim, outras que é verdade.
Vó, queria pedir pra pessoa que está lendo essa carta te dar um abraço e um beijo, por mim. Eu te amo. Assim que voltar, vou aí.”
Laura, é o Vô. Como sabes, a Vó, devido à sua doença provocada pela velhice, não é mais capaz de, sozinha, agradecer pela tua carta, mas tenho certeza de que se pudesse responderia com as seguintes palavras :
“Laura, minha querida, o Vinicius leu a tua carta para mim.
Me emocionei muito, gostei muito de tuas lembranças de nossos momentos felizes. Vou responder, pausadamente, conforme a sequência em que colocaste tuas lembranças.
Não precisas temer me perder; sei que quando não esteja mais presente, eu estarei vivendo em tuas memórias e nas memórias de todos os meus queridos.
Gostei muito de receber tua carta pois ela me fez recordar muitos momentos felizes de minha vida, principalmente aqueles de convivência com todos os meus filhos, meus netos e contigo.
Eu tinha, na adolescência, um sonho de conhecer Paris, pois estudei em Montenegro, onde vivi no RGS, em um Colégio de Freiras, cuja Ordem era de origem francesa; estudávamos francês e cultura francesa. Tais coisas me provocaram este sonho e quando Balu/Alexandre estavam morando em Paris, fui visitá-los e realizei este meu sonho, o que foi maravilhoso. Por isto bem entendo que gostes de estar vivendo na Europa, ainda que temporariamente para estudar.
Todas estas lembranças que guardas e que irás sempre guardar, dos passeios de andanças até a Praia das Conchas; carregar conchinhas para que vocês com elas brincassem; pular corda; fazer bolos ( o Vinicius queria datilografar meus papéis de receita, mas jamais deixei, acreditando que os bolos e doces não ficariam tão bons, como receitados com minhas mãos e escritas) ; das paradas e conversas com minhas amigas; de ficarmos boiando, de barriga para cima naquela água tão gostosa da praia. Minhas amigas, como eu, envelheceram e talvez, por isto, já não possam mais estar passeando na praia, assim como acontece comigo.
Tuas lembranças me provocaram a lembrança de minha avó materna, pela qual sempre senti um amor e uma ternura muito grandes, pois via nela, como espelho, o tipo de mulher que eu gostaria de ser, com sua dedicação pelo seu marido, pelos seus filhos (próprios e adotivos), pelos seus netos, por todos os que estivessem sob o agasalho de sua casa. Quando casei, quis levar o Vinícius para visitá-los e conhecê-los, em Cruz Alta, RGS, minha avó e meu avô, que tinha o apelido de Querido, dado por ela. Lá fomos e como estávamos em Lua de Mel fizeram questão de ceder a nós sua cama de casal, com colchão de palha de milho, da sua casinha humilde, mas que para mim era um palácio radiante de rara beleza, assim como para ti, o colar de conchas valendo mais do que um de diamantes. O amor e o carinho entre as pessoas que se amam são de valor, realmente, inestimável.
Quando chegar teu tempo de amar aos teus em tua 2ª. vida (a primeira é aquela vivida no lar dos pais, junto a eles e aos irmãos), verás que o que almejaste um dia ser como metade da avó, irás viver integralmente como a avó que serás , cheia de amor, de ternura, como sempre os demonstras em meio à família e em meio aos amigos.
Quanto à “memória curta”, como sabes, todos temos, como a lua, um lado claro e um lado escuro; a “memória curta”, refere-se apenas ao lado escuro, pois quanto ao lado claro das pessoas, a memória será sempre, inesquecível, o que ajuda, igualmente, a tornar duradouros os momentos maravilhosos que vivemos.
Como te disse, ao início de minha carta, o Vinicius leu para mim tua carta e ao final, me abraçou e me beijou, como pediste a quem a estivesse lendo. Vou aguardar com minha memória afetiva, que ainda funciona muito bem, o teu regresso e tua visita para nos abraçarmos com os desvelos e carinhos de neta e de avó. Que a vida te enriqueça, como a mim me fez rica de doar e receber amor. Beijos da vó que muito te quer.”